Ensaio de Sandro Ornellas.
No vocabulário dos filósofos, uma “questão” se diferencia de um “problema” porque este possui uma reposta possível, enquanto aquela é um problema sem resposta, um problema que não cessa de se atualizar ao longo dos tempos. Os “fins” são uma dessas questões. A palavra “fim” pode ser entendida como, de um lado, uma finalidade, um propósito, um destino e, de outro lado, um encerramento, uma conclusão, uma morte – como se algo ou alguém chegasse à sua plena realização justo no instante em que também chega à sua conclusão e termo, como se seu propósito fosse acabar. E o “fim” é um paradigma histórico que tem retornado de modo inquietantemente familiar desde pelo menos o Pós-Guerra. Mas ainda está por se fazer uma história dos “fins” – pelo menos desde Hegel e suas teses do “fim da arte” (Sussekind, 2017) e do “fim da história”. Recordo o uso da tópica dos “fins” apenas na história recente em expressões que foram ou têm sido muito debatidas entre intelectuais e artistas: “fim da história”, “fim da modernidade”, “fim da literatura”, “fim da canção”, “fim da poesia”, “fim do ciclo histórico do verso”, “fim do Estado-Nação”, “fim do humanismo”, “fim do ocidente”, “fim da democracia”, “fim da política”, “fim do mundo”. Bem longe de dar conta desse empreendimento, ele subjaz discreto, sim, a este trabalho, de ambições infinitamente mais modestas na leitura do pensamento de um poeta como Herberto Helder (1930–2015). A resistência de seus textos poéticos à paráfrase e ao comentário crítico faz com que não sejam facilmente capturáveis pelas tantas narrativas que circulam no nosso mundo midiático. Soma-se a isso também que seus textos foram todo o tempo submetidos, pelo próprio poeta enquanto vivo, a releituras e reescritas, cortes e remontagens, apagamentos e renomeações, destruições e republicações posteriores, tornando-se uma obra de labiríntico acompanhamento até sua morte – ou mesmo depois, no acesso a edições com tiragens únicas, esgotadas ou abandonadas pelo poeta em suas reuniões de poemas. Por fim, difícil também porque a permanência de temas tão canônicos como amor, morte, nascimento, corpo, vida, tempo, loucura, linguagem, natureza e máquinas ao longo de décadas acabou por lhe dar grande unidade, embora muitíssimo fragmentada entre textos e livros. Uma obra acabada, concluída, de um poeta morto, portanto, mas também uma obra ainda viva, interrompida e inacabada.