Sem publicar um novo trabalho desde 2015, Mayrant Gallo volta a nos surpreender com esta delicada novela, onde evoca memórias de infância que tanto podem ser autobiográficas quanto imaginárias. A narrativa é dividida em 50 capítulos curtos, regidos pelas sensações do narrador, e demonstra completo domínio do uso de linguagem, desenvolvendo-se com fluidez e elegância.
A história é narrada por um menino sem nome e aborda temas como a iniciação amorosa, desejo, amizade, finitude da vida e perdas. Suas observações são de quem vê a vida passar, mas não tem forças (ou vontade) para interferir em seu curso. Ele apenas relata os acontecimentos sem a necessidade de inferir nenhum julgamento moral.
Ao retratar o cotidiano, Gallo demonstra um olhar cético quanto à sua visão de mundo. Apesar disso, extrai dele lirismo, como vemos no seguinte trecho: “O barco vai deixando para trás sua esteira branca. Pura, imponderável, efêmera. A espuma é enfim a espuma. Como a vida.”
“Sem aparentes pretensões, como a própria vida se encaminha para nós, sem uma trama incisiva e sem final rocambolesco, o livro se ergue em nossos sentidos com extrema delicadeza”, afirma Ângela Vilma no posfacio, “algo raro na literatura contemporânea brasileira da atualidade ― que, infelizmente, vive num grande balcão de negócios com ‘temas da moda’ dirigindo a ‘negociação’”.
“Aqui”, contextualiza Ângela Vilma, “felizmente, a literatura é literatura. Ou seja, a literatura é a vida, a nossa vida, recortada em forma altamente lírica, filosófica, literária. Portanto, eleva-se dentro de nós em inquietude, comoção e sentido de eternidade.”
Verão do Incêndio é um daqueles raros livros onde a literatura não rompe seu contrato com a fragilidade da condição humana.